domingo, 26 de fevereiro de 2012

Reforma Sanitária: uma reflexão
(Stelita, Simone e Valdenice)

Vamos iniciar este texto relembrando uma entrevista de Sergio Arouca à Revista RADIS em outubro de 2002, onde ele relembrava a origem da Reforma Sanitária e defendia a retomada dos princípios do movimento: "Temos que discutir a saúde não como política do Ministério da Saúde mas como uma função de Estado permanente". Isto coloca que a RSB precisa continuar num modelo de discussão e processos intersetoriais.

O movimento da Reforma Sanitária nasceu dentro da perspectiva da luta contra a ditadura e pela busca de políticas de saúde defendido pelo movimento da Medicina Preventiva (que começou na Escola Paulista de Medicina, em Ribeirão Preto, e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)) e por movimentos sindicais e sociais que defendiam o atendimento em saúde aos excluídos do Sistema de Saúde Previdenciário, que vigorava durante o período ditatorial.

Resumindo, Paim et al ( 2011 pag 11) cita que: “A reforma sanitária brasileira foi impulsionada pela sociedade civil, e não pelo governo, por partidos políticos ou por organizações internacionais.”
O movimento da Reforma Sanitária “buscava” uma alternativa, para a mudança na visão do processo de trabalho em saúde e discutira os fatores determinante e condicionantes da saúde e a determinação social das doenças e se introduz a noção de estrutura de sistema. Baseava-se no conceito de saúde-doença estar ligado a trabalho, saneamento, lazer e cultura e no principio de que “saúde é um direito de todos e um dever do Estado”.
Em março de 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde. Em setembro de 1986 foi instalada a Comissão Nacional de Reforma Sanitária com a incumbência de preparar uma proposta ao novo sistema de Saúde. Em Março de 1987 a Comissão em encaminhara, como projeto do setor para a Constituinte, um documento chamado “Saúde e Democracia”, que fora enviado para aprovação no Legislativo visando uma Emenda Popular à Constituição Federal.
Ao final de 1988, a Constituição é aprovada, com o tema da VIII CNS iniciando o artigo 196 da Constituição-"Saúde é direito de todos e dever do Estado".Fora instituído pela Constituição de 1988 o Sistema Único de Saúde (SUS).Então, visando a regulamentação do SUS, a Comissão Nacional da Reforma Sanitária transformou o texto da Constituinte na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), que especificava as atribuições e a organização do SUS.
O SUS fora neste contexto o maior fruto da RSB. Mas ainda apresenta muitos desafios para a sua consolidação.
A proposta da Reforma Sanitária compreendida como um projeto social , articulado a uma estratégia global para a sociedade, tendo em vista a ampliação dos direitos de cidadania às camadas sociais marginalizadas no processo histórico de acumulação do capital garante ao cidadão a condição de viver bem, porém, não está acontecendo como preconizado. Porque afirmar isto? Repensando as proposições da RSB, a primeira delas, a saúde como direito de todo o cidadão, independente de ter contribuído, ser trabalhador rural ou não trabalhador, vemos ela ser cumprida, mas questiona-se a qualidade do cumprimento, unidades de saúde faltando profissionais em quantidade e qualificação necessárias, falta de materiais e equipamento, sistema de informação ineficaz, entre outros que leva a instabilização dos processos de trabalho, não permitindo a integralidade da atenção.
Uma política de saúde que assegure o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Esta meta é difícil visto que vivemos em um estado grande, com profundas diferenças econômicas, sociais, culturais, sanitárias dentre outras, e é visível que as desigualdades são enormes, percebe-se que se tem uma grande espera para consultas especializadas, exames e internações; a qualidade do atendimento nas urgências e emergências não é o esperado pela população, o acesso a atenção básica está fragmentado. Enfim, uma elevada iniquidade de acesso, necessitando de maior articulação da saúde com as demais políticas sociais.
Não se consegue atingir as metas propostas, pois os desafios são grandes, permanece o predomínio de modelo burocratizado de gestão, mesmo que o governo busque resolvê-lo através de qualificação dos gestores. Entretanto é difícil, pois há um subfinanciamento para atender às necessidades da população e é visível a precarização do trabalho e baixo investimento na qualificação de recursos humanos.
É fato que não é possível fazer mudanças na saúde, sem ter uma grande mobilização da sociedade em defesa do direito à saúde e do SUS, frente à ofensiva dos interesses de mercado e do lucro que operam também no campo da saúde, isto prova que a participação popular não está sendo efetiva.
Precisa que seja resgatada a relação construída com os movimentos sociais, que se amplie a discussão para fora dos limites institucionais, tendo a promoção da cidadania como estratégia de mobilização social e a saúde como um direito.
Reforma Sanitária Brasileira representou um momento de grande reflexão, onde aconteceu a reconfiguração do sistema de saúde, rompendo com os padrões neoliberais que apregoavam o rompimento com o padrão de proteção social público em um momento político em que acontecia no Brasil uma série crise fiscal e financeira. 
Embora a RSB tenha permitido a criação do SUS, mesmo assim, não conseguiu atingir todos os seus propósitos, por exemplo, o princípio da integralidade afirma que os serviços de saúde devem levar em conta as necessidades de cada indivíduo, tomado em suas múltiplas dimensões (biológica, psicológica e social), é visível em nível local (Vitória da Conquista) a fragilidade deste princípio, quando o cidadão não consegue ser atendido pelo serviço de psicologia, algumas especialidades como neurologia e dermatologia deixam o usuário um longo período na fila de espera, a saúde mental não consegue atender a sua demanda, entre outros. O sistema de saúde é dividido, pois como o SUS não consegue atender toda a sua clientela, uma parcela da população recorre aos planos de saúde, fortalecendo aos planos e seguros privados. 
Estamos diante de um dilema ético e político, diante da renovada força dos interesses privados, fato que tem comprometido o avanço deste projeto. Além das questões de saúde, um conjunto de problemas de ordem social preocupa o Brasil, a Bahia, contemporânea: a segurança, a qualificação na educação, a inserção, ou reinserção no mundo do trabalho entre outros e vejo a questão gestão pública com a interface desta problemática. A falta de profissionalização da gestão e a quantidade exagerada de cargos públicos no SUS estimulam o uso da saúde como moeda de troca política, reproduzindo o clientelismo e a partidarização da gestão. Os governos acumularam grande divida com os trabalhadores e as terceirizações, além de afastar parte desses profissionais do desenvolvimento e da defesa do sistema (PAIM, 2011).
Ver-se o caso saúde em particular, por ser a grande porta da reforma sanitária, mas visualiza-se o problema de gestão em todas as áreas do conhecimento. Por isso, entende-se como um ponto positivo no programa de Estado, a qualificação do quadro funcional atuante na gestão do Estado Brasileiro nas várias instâncias administrativas. 
A RSB constituiu-se um marco importante na reconfiguração dos modelos de atenção à saúde e o mais fascinante foi a proposta de atender as reais necessidades da população na questão saúde. 
Tais proposta constituíram-se em mudanças que nos possibilita ver a saúde em seu conceito ampliado fazendo a conexão com várias áreas do conhecimento, tendo a educação como suporte.
Entretanto, concordando com Paim (2008), a RSB não foi não cumprida da forma pensada, teve suas questões muito focadas em financiamento, organização e gestão, mas mesmo assim, é frequente diante de nossos olhos más condições de trabalho,os salários sucateados dos profissionais de saúde, a utilização de cargos de direção e setores de compras do SUS como moeda política. O que nos dá margem a questionar a gestão.
A humanização tão preconizada está passando por uma "desumanização", a educação deixada em outros planos. Enfim, são muitas barreiras, mas também não se deve entender só como insatisfações, pois tem sucessos, veja os programas de imunização, AIDS e outros que estão acontecendo.
De fato algumas propostas da reforma sanitária vem sendo observadas, porém o que não deixamos de questionar é o seu papel de transformação social. O envolvimento de todos é necessário, citando SCHEFFER e FLEURY (2009):
Concluir a reforma sanitária em sua concepção original e superar o abismo entre o direito à saúde vigente e o direito vivido são deveres do Estado que não podem mais ser protelados. Para isso, é preciso estabelecer responsabilidades sanitárias claras, assim como mecanismos legais de punição de gestores e governos diante de metas não cumpridas e da desobediência aos preceitos constitucionais.
Acreditamos muito que vamos conseguir uma RS como de fato deveria acontecer. Mudamos um pouco a cara do setor saúde, mas precisamos colocar a proposta desta em articulação com todos os setores ( a intersetorialidade) e em consonância com a sociedade civil ( controle social) . Hoje o que se ver são Políticas públicas bem pensadas em sua essência porém sendo implantadas ou implementadas de maneira pontual,sem articulação com setores afins.
Reafirmando tudo o que foi dito, cita-se a fala Paim(2008) os ideais de Reforma Sanitária como um processo de transformação da vida social, e não apenas em mecanismos de gestão e organização da prestação de serviços de saúde e com o pressuposto que a Reforma Sanitária é constituinte de um projeto de reforma social, e não apenas uma mera política social ou de saúde.
E o ponto de partida desta transformação, a nosso ver, é a educação continuada e PERMANENTE.



Referências:
AROUCA, Sérgio. Reforma Sanitária não se resumiu à criação do SUS. Revista RADIS. 2002. Disponível em:http://eadsusava.saude.ba.gov.br/mod/forum/discuss.php?d=7746 >. Acesso em: 18 fev. 2012.


COELHO, Ricardo Corrêa. O público e o privado na gestão pública. Florianópolis, Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009.


PAIM,Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Célia; BAHIA, Ligia; MACINKO,James . O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios Lancet 2011; publicado online em 9 de maio de 2011. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60054-8. Disponível emhttp://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor1.pdf Acesso em 03/02/2012. 


PAIM,Jairnilson. Reforma Sanitária Brasileira Contribuição para a compreensão e critica. Edufba. Editora Fiocruz. Salvador, Riode Janeiro, 2008


SCHEFFER, Mário; FLEURY, Sônia. A Verdadeira Reforma Sanitária. Folha de São Paulo, jul. 2009. Disponível em:http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=428. Acesso em: 11 fev. 2011.

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